Martyn
Lloyd-Jones, John Stott, e
1 Co 12.13:
O Debate sobre o Batismo com o Espírito Santo
O Debate sobre o Batismo com o Espírito Santo
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Augustus Nicodemus Lopes*
O debate na Igreja brasileira sobre o
batismo com o Espírito Santo tem sido às vezes conduzido em torno das figuras
do (já falecido) Dr. Martyn Lloyd-Jones e do Dr. John Stott.1 Mais
particularmente, o debate tem girado em torno das suas interpretações da
conhecida passagem de Paulo em 1 Coríntios 12.13, Pois, em um só
Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer
escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.2 A passagem é crucial
para o debate, já que é a única, fora dos Evangelhos e de Atos, que traz juntas
palavras como "todos", "Espírito", "batizar",
"corpo", e "beber". Alguns defensores do batismo com o
Espírito Santo como uma experiência distinta da conversão, referem-se ao Dr.
Lloyd-Jones como exemplo de um teólogo reformado e puritano que defende essa
posição. Os do campo contrário, referem-se ao Dr. Stott como um teólogo de
renome mundial que sustenta ser o batismo com o Espírito Santo idêntico à
conversão.
Duas observações iniciais sobre esta
realidade. Primeira, o debate sobre o batismo com o Espírito Santo tem
encontrado muito mais participantes ilustres do que apenas Lloyd-Jones e Stott.
Existem muitos livros e artigos defendendo uma e outra posição, escritos por teólogos
conhecidos e de diferentes persuasões teológicas. O fato de que, no Brasil,
esta polêmica desenvolve-se em torno dos nomes de Lloyd-Jones e de Stott
deve-se ao simples fato de que ambos tiveram suas obras traduzidas para o
português, e outros não. E a segunda observação decorre deste último ponto: a
doutrina do batismo com o Espírito Santo não é a principal ênfase dos
ministérios de Lloyd-Jones e Stott.3 Ambos falaram e escreveram sobre
muitos outros assuntos. Mas o fato é que, no Brasil, por falta de autores
nacionais que escrevam claramente sobre o assunto, e que tomem uma posição
definida, e também por causa das poucas traduções em português de livros sobre
o tema, o debate desenvolveu-se mesmo em torno desses dois nomes.
Também é importante lembrar que esses
dois importantes líderes não se envolveram pessoalmente em disputa pública
sobre esse ponto específico. São alguns de entre os seus seguidores e
admiradores que têm usado seus escritos para debater as diferenças que a
discussão moderna sobre o assunto tem levantado. Lloyd-Jones e Stott, na
verdade, estiveram envolvidos em outro tipo de polêmica, mais especificamente
com relação a eclesiologia, e a unidade dos evangélicos.4
Partindo então da inevitável realidade
de que teremos de lidar com Lloyd-Jones e Stott ao nos referirmos à questão do
batismo com o Espírito Santo em um artigo destinado a pastores e líderes
brasileiros, tentaremos aqui dar uma colaboração ao debate através de uma
apresentação e análise da posição de ambos, particularmente à luz da maneira
como interpretam 1 Co 12.13.
· Lloyd-Jones
e 1 Co 12.13
Vamos começar com Martyn Lloyd-Jones,
por uma questão de cronologia. Sua opinião sobre o batismo com o Espírito
Santo, e sua interpretação de 1 Co 12.13, podem ser encontradas em três de suas
obras principais. Primeiro, em God’s Ultimate Purpose, o primeiro
volume de sua famosa série de sermões na carta aos Efésios, pregados nos anos
1954-1955, durante seu ministério na Capela de Westminster, Londres.5 Ele expõe
Efésios 1.13 em seis capítulos, quando então aborda o tema do batismo com o
Espírito Santo.6 Segundo, no volume da sua série em Romanos, entitulado The
Sons of God, onde ele expõe Romanos 8.5-17.7 Esse volume contém os sermões
pregados em Romanos durante os anos 1960-1961, dos quais oito tratam de Rm
8.16, uma passagem que, segundo Lloyd-Jones, refere-se ao batismo com o
Espírito Santo.8 Por fim, em seu livro Joy Unspeakable, publicado em
1984, que é a transcrição de vinte e quatro sermões pregados em 1964 na Capela
de Westminster, Inglaterra, numa série em João 1.26-33.9 Nesta obra,
Lloyd-Jones trata de forma detalhada da sua posição sobre o batismo com o
Espírito Santo, e de 1 Co 12.13.10 Procuraremos resumir, partindo destas fontes,
a sua interpretação da passagem.11
· O
contexto do ensino de Lloyd-Jones
Devemos estar conscientes do contexto
em que Lloyd-Jones aborda esse assunto. Ele estava reagindo a duas tendências
de sua época, as quais considerava perniciosas para a vida da Igreja. Em
primeiro lugar, contra o nascente movimento de "línguas", em Londres,
cujos proponentes reivindicavam terem sido "batizados com o
Espírito", e colocavam a ênfase maior no dom de línguas. Lloyd-Jones
freqüentemente adverte contra os perigos do fanatismo, misticismo, e abusos
nesta área,12 fato que às vezes tem sido esquecido por alguns que usam seus
escritos para promover conceitos e práticas carismáticos.
Lloyd-Jones enfrentava ao mesmo tempo
um tipo de ensino aparentemente ortodoxo que ele considerava ainda mais pernicioso
à vida da Igreja do que os excessos dos carismáticos. Basta que leiamos os
capítulos 21—25 do seu livro God’s Ultimate Purpose para
verificarmos que, na maioria das vezes, ele está reagindo, não aos excessos do
movimento carismático nascente, mas ao tipo de ensino que dizia que os crentes
já tinham recebido tudo por ocasião da sua conversão, e que não mais precisavam
buscar a plenitude do Espírito ou um nível maior de vida espiritual.13 Era esse
Cristianismo antiemocional e intelectualista que prevalecia nas Igrejas
evangélicas da Inglaterra. Para muitos pastores e estudiosos daquela época,
todos os crentes já haviam recebido tudo do Espírito na sua conversão, e o que
restava era irem se apropriando destes benefícios gradativamente, na vida cristã.14 Para eles,
quase todos os aspectos da obra redentora e santificadora do Espírito Santo
ocorriam num âmbito não "experienciável",15 e atividades do
Espírito como o "selo" (Ef 1.13) e o "testemunho ao nosso
espírito" (Rm 8.16) eram encarados como se processando em um nível
intelectual, ou acima da nossa capacidade de sentir ou experimentar. Outros
ensinavam que todas estas coisas eram para ser tomadas "pela fé",
independentemente dos sentimentos ou das emoções.
Para Lloyd-Jones, esse tipo de ensino
era responsável em grande parte pelo fato de a maioria dos cristãos na Europa
desconhecerem um Cristianismo vigoroso, "experienciável", e de
praticarem uma religião fria, sem emoções, e destituída de vigor e vida. Como
pastor de formação puritana, Lloyd-Jones reagiu fortemente a esse tipo de
ensino que acabava por negar o caráter "experienciável" da fé em
Cristo, e o lugar das emoções na experiência cristã. Mas, o seu maior conflito
com esses teólogos era que tal ensinamento, na sua opinião, não deixava lugar
para reavivamentos espirituais, para novos derramamentos do Espírito sobre a
Igreja.
Por esse motivo, ele abordou o assunto
do batismo com o Espírito Santo muito mais em reação à frieza espiritual da sua
época, do que em reação ao movimento carismático, que estava apenas em seus
inícios naqueles dias.
· O
selo do Espírito e o batismo com o Espírito
Ao expor Ef 1.13, fostes
selados com o Santo Espírito da promessa, Lloyd-Jones segue a interpretação
de alguns teólogos Puritanos (Thomas Goodwin, John Owen, Charles Simeon,
Richard Sibbes), e do famoso Charles Hodge de Princeton, que defendiam que esse
"selo" não é a mesma coisa que a conversão, e pode ocorrer depois.16 A principal
ênfase de Lloyd-Jones em sua exposição da passagem é que esse "selo"
é algo que pode ser experimentado, sentido e identificado pelos crentes, e que
não se trata de algo que já ocorreu automaticamente com todos eles na sua
conversão. Como demonstração, ele menciona experiências de personagens famosos
na História da Igreja, como John Flavel, Jonathan Edwards, D. L. Moody,
Christmas Evans, George Whitefield e John Wesley.17
Trata-se de uma experiência, diz
Lloyd-Jones, e não de um processo. Assim, é algo que deve ser buscado por cada
um.18 Também não devemos confundir o "selo" com a plenitude do
Espírito, e nem com a santificação;19 o "selo" também não é algo a
ser "apropriado pela fé", como ensinam alguns pregadores e
escritores:20 ele funciona como uma autenticação de Deus de que de fato pertencemos a
ele, algo semelhante ao ocorrido com o Senhor Jesus quando foi batizado
(comparar Jo 1.32-34 com 5.27).21
Lloyd-Jones identifica esse
"selar" do Espírito com o "batismo" do Espírito,
experimentado pelos apóstolos no dia de Pentecostes, e ainda pelos samaritanos,
Cornélio e sua casa, e os discípulos de João Batista em Éfeso.22
· O
testemunho do Espírito e o batismo com o Espírito
Em sua exposição de Romanos 8.16,
Lloyd-Jones afirma que o testemunho do Espírito ao nosso próprio espírito é
mais do que o resultado de um processo racional, pelo qual o crente chega à
certeza da salvação. Segundo ele, trata-se de uma certeza dada de forma
imediata (sem o uso de meios) pelo Espírito, diretamente à nossa consciência.
Portanto, é algo da mesma ordem que o "selo" ou batismo com o
Espírito.23 É algo distinto da conversão, que ocorre após a mesma, às vezes em um
intervalo de tempo extremamente breve.24
· 1
CoRÍNTIOS 12.13
Lloyd-Jones está consciente de que
alguns apelarão para 1 Co 12.13 para contradizer seu ponto de vista. Para ele,
a passagem ensina de fato que o Espírito Santo batiza o crente, colocando-o no
corpo de Cristo que é a Igreja, e que isto ocorre na conversão, e que,
portanto, todos os cristãos já foram objeto desta atividade do Espírito. Porém,
ele argumenta, esse "batismo" de 1 Co 12.13 não é o mesmo
"batismo" ou "selo" do Espírito mencionado nos Evangelhos e
em Atos. O que ocorre é que a palavra "batismo" é empregada no Novo
Testamento com vários sentidos diferentes.25 Para ele, o batismo pelo Espírito
em 1 Co 12.13 significa o ato pelo qual o Espírito nos incorpora à Igreja, e
que portanto é idêntico à conversão, ao passo que, nos Evangelhos, e
principalmente em Atos, o batismo com o Espírito refere-se a
uma experiência pós-conversão, confirmatória e autenticadora em sua essência.26
Lloyd-Jones argumenta que uma das
diferenças decisivas entre 1 Co 12.13 e as passagens em Atos sobre o batismo
com o Espírito Santo, é quanto ao agente do batismo, ou seja, a
pessoa que batiza. Ele acredita que na expressão e)n e(ni/ pneu/mati h(mei=j pa/ntej ei)j e(\n sw=ma
e)bapti/sqhmen a preposição e)n tem força
instrumental, e que deve, portanto, ser traduzida "por um só Espírito",
e não "em um só Espírito". Ele argumenta que "por"
é a tradução da maioria das versões em Inglês, e que a preposição e)n ocorre em várias outras ocasiões no Novo
Testamento com a mesma força instrumental (ele cita Mt 7.6; 26.52; Lc 1.51; Rm
5.9). Ele cita ainda várias outras autoridades na área de exegese que mantém
esta opinião.27 Ele conclui que, em 1 Co 12.13, é o Espírito quem
nos batiza no corpo de Cristo. Nas demais passagens, o agente é o Senhor Jesus,
o que é algo muito diferente. A confusão existe pelo fato de que a mesma
palavra "batismo" é usada.28 Em 1 Co 12.13 ela se refere à
conversão, mas nas demais passagens, a uma experiência posterior à conversão, e
portanto, distinta da mesma.
· Era
Lloyd-Jones um Carismático?
Em resumo, para Lloyd-Jones, o batismo
com o Espírito Santo é uma experiência na qual o Espírito concede ao crente
plena certeza de fé, e que deve ser identificada com o selo e o testemunho do
Espírito mencionados por Paulo. Esta experiência resulta em poder e ousadia,
que por sua vez, capacitam o crente a testemunhar eficazmente de Cristo.
É extremamente importante notar que o
pensamento de Lloyd-Jones sobre o selo ou batismo do Espírito, é essencialmente
diferente da posição pentecostal clássica, e da posição neopentecostal.
Lloyd-Jones não vê nenhuma evidência bíblica de que esta experiência deva ser
acompanhada pelo falar em línguas e pelo profetizar, ou por qualquer outra
manifestação extraordinária. Na verdade, ele chama a atenção para o fato de que
muitos dos dons que foram concedidos no início da Igreja Cristã não haviam sido
mais concedidos no desenrolar desta mesma história. Ele aponta para o fato de
que nenhum dos grandes nomes da História da Igreja, conhecidos como tendo
passado por experiências profundas com o Espírito (que ele considera como tendo
sido esse "selar" ou "batizar" do Espírito) terem
manifestado dons como línguas, profecia, ou milagres. Para Lloyd-Jones, o ponto
essencial desta experiência também não é a capacitação de poder,
como enfatizado em círculos pentecostais e carismáticos, mas a certeza dada de
forma direta, pelo Espírito, de que somos filhos de Deus.29
Como já mecionamos, ao mesmo tempo em
que estava reagindo contra o Cristianismo frio e árido de sua época,
Lloyd-Jones também estava em combate contra várias ênfases do nascente
movimento carismático. Talvez o único ponto em que ele estivesse em acordo com
eles é que o "selo" (batismo) do Espírito é algo distinto da
conversão, e que ocorre após a mesma.30 As diferenças quanto ao propósito
e às evidências deste evento são por demais distintas das convicções
pentecostais-carismáticas, para que venhamos a classificar Lloyd-Jones como um
carismático.
· Stott
e 1 CoRÍNTIOS 12.13
Passemos agora para a opinião de John
Stott. Conhecido pregador e escritor, Stott é ministro da Igreja Anglicana da
Inglaterra. Em 1964 ele fez uma série de estudos numa conferência para líderes
evangélicos sobre a obra do Espírito Santo, os dons espirituais, e
especialmente, sobre o batismo com o Espírito Santo. Estas palestras foram uma
reação de Stott ao crescente Pentecostalismo dentro da sua própria paróquia.31 As palestras
vieram ao grande público em 1966, num livrete intitulado The Baptism
and Fullness of the Holy Spirit,32 após os sermões de Lloyd-Jones
sobre o assunto já terem sido impressos. Dez anos após Stott publicou uma segunda
edição, entitulada Baptism & Fullness: The Work of the Holy Spirit
Today,33 onde ampliou algumas partes que precisavam de mais clareza e
fundamentação, sem, entretanto, alterar seus pontos de vista.34 Esta obra foi
traduzida e publicada em Português em 1986, como Batismo e Plenitude do
Espírito Santo.35 Nela, Stott trata dos principais aspectos da obra do Espírito
relacionados com a polêmica moderna, tais como a promessa do Espírito, o
batismo do Espírito, a plenitude, o fruto e os dons do Espírito. Procuraremos
nos concentrar na sua interpretação de 1 Co 12.13.
· Uma
experiência iniciatória
Stott argumenta que a expressão
"batismo com o Espírito Santo", que ocorre sete vezes no Novo
Testamento, é equivalente à expressão "o dom do Espírito Santo" que
ocorre em At 2.38, e refere-se à experiência iniciatória da qual participam
todos os que se tornam cristãos.36 O próprio conceito de "batismo com
água" é iniciatório, como sendo o ritual público de introdução na Igreja,
e está intimamente associado ao batismo com o Espírito Santo, como sugere At
10.47, 11.16 e 19.2-3.37 Ele argumenta que a linguagem empregada por Paulo para descrever a
experiência cristã com o Espírito, como "estar no Espírito",
"ter o Espírito", "viver pelo Espírito", e "ser guiado
pelo Espírito", é aplicada nas cartas do apóstolo a todos os cristãos,
indistintamente, até mesmo para os recém convertidos, a partir do momento em
que se tornam cristãos. O Novo Testamento, continua Stott, presume que Deus tem
dado o Espírito a todos os cristãos, cf. Rm 8.9; Gl 5.25; Rm 8.14.38
Das sete vezes em que a expressão
"ser batizado com o Espírito Santo" ocorre no Novo Testamento,
somente uma vez é fora dos Evangelhos e de Atos (ou seja, em 1Co 12.13). Stott
lembra que, nos Evangelhos, a expressão aparece quatro vezes nos lábios de João
Batista, ao descrever o ministério do Senhor Jesus, "ele vos batizará
com o Espírito Santo" (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33). Em Atos,
uma vez é aplicada pelo Senhor a Pentecostes (At 1.5), e outra é aplicada por
Pedro à conversão de Cornélio, citando as palavras do Senhor Jesus (At 11.16).
A sétima vez é em 1 Co 12.13, Pois,
em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer
gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só
Espírito. Stott contesta que, aqui, Paulo esteja se referindo ao Dia de
Pentecoste, já que nem ele, nem os coríntios, participaram daquele evento
histórico. Paulo está se referindo à participação nas bênçãos que Pentecoste
tornou possível aos cristãos. Ele e os coríntios tinham recebido o Espírito
Santo; aliás, para usar a terminologia de Paulo, tinham sido
"batizados" com o Espírito Santo, e tinham "bebido" deste
mesmo Espírito.
Stott aponta para o fato de Paulo estar
enfatizando a unidade no Espírito no contexto da passagem, em
contraste deliberado à variedade dos dons espirituais, assunto
que o apóstolo havia discutido na primeira parte de 1 Co 12. Esse ponto é
evidente pela repetição da palavra "todos" (todos...foram
batizados, todos...beberam) e da expressão "um só" (um
só Espírito... em um só corpo... de um só Espírito).
O que Paulo está fazendo aqui, afirma Stott, é sublinhar aquela experiência com
o Espírito Santo que todos os cristãos têm em comum. Esta é a diferença entre
"o dom do Espírito" (quer dizer, o próprio Espírito Santo), e
"os dons do Espírito" (isto é, os dons espirituais que ele
distribui). Neste capítulo Paulo emprega várias vezes uma terminologia onde a
unidade dos cristãos é destacada, cf. 12.4,8,9,11,13. O clímax é 12.13, onde o
apóstolo afirma que em um só Espírito todos nós fomos batizados em um
corpo. A expressão de Paulo, quer judeus, quer gregos, quer
escravos, quer livres, bem pode ser uma alusão a "toda a carne"
mencionada na profecia de Joel. Stott conclui que o batismo com o Espírito
Santo não é uma segunda experiência, nem uma experiência subseqüente desfrutada
somente por alguns cristãos, mas a experiência inicial desfrutada por todos.39 Ou seja, o batismo
com o Espírito é o mesmo que conversão.
No seu recente comentário em Atos,
Stott procura deixar claro que não nega que haja experiências mais profundas e
mais ricas após a conversão. Porém, ele rejeita a idéia de que tais coisas
possam ser chamadas de "batismo com o Espírito", uma terminologia que
ele reserva apenas para a conversão, a obra inicial do Espírito no crente.40 É importante
notar que, para ele, as passagens nos Evangelhos e em Atos devem ser
interpretadas à luz da passagem de Corintios, e portanto, devem se referir à
conversão, quando o crente recebe tudo o que lhe é dado receber do Espírito. É
sintomático que no seu livro Baptism & Fullness não exista
nem uma palavra sobre reavivamento espiritual. Stott aparentemente não nega a
possibilidade da ocorrência de um reavivamento em nossos dias, mas certamente
não é um dos seus proponentes mais entusiastas.
· Batismo
"pelo", "com", ou "no" Espírito?
Em seguida, Stott passa a responder às
objeções que geralmente são levantadas contra sua interpretação de 1 Co 12.13.
Inicialmente, ele aborda o argumento de que as outras seis passagens, que se
referem ao "batismo com o Espírito Santo", tratam do batismo feito por
Jesus em, ou com, o Espírito Santo, enquanto que 1 Co
12.13 trata do batismo realizado pelo Espírito no corpo de
Cristo, algo completamente diferente. Os defensores desta posição, esclarece
Stott, concordam que o Espírito Santo batizou a todos os crentes no corpo de
Cristo, mas isto não prova, para eles, que Cristo batizou a todos com o Espírito
Santo. Stott afirma que esse tipo de argumentação é um exemplo de se tentar
defender o indefensável, e passa, então, a refutá-la como se segue.41
Em todas as sete ocorrências da frase,
a idéia de batismo é expressa pelas mesmas palavras gregas bapti/zw, e)n, pneu=ma, e portanto, a
priori, deve ser entendida como se referindo à mesma experiência de
batismo. Esta é uma regra sadia de interpretação, diz Stott, e cabe aos que
pensam o contrário apresentar provas de que ela não se aplica aqui. A
interpretação natural é que Paulo estaria em 1 Co 12.13 ecoando as palavras de
João Batista, como Jesus e Pedro haviam feito antes dele (At 1.15; 11.16). É
estranho tomar Jesus como o batizador nas seis primeiras passagens, e então, na
sétima, tomar o Espírito como sendo o batizador, já que as expressões são
idênticas. A preposição grega em 12.13 é e)n, como nos demais
versículos, onde é traduzida como "com". Por quê, pergunta Stott,
deveria ser traduzida diferentemente?42
· Os
quatro elementos de todo batismo
Ele então defende esse ponto com o
argumento de que em qualquer tipo de batismo existem quatro partes: (1) o
sujeito, que é o batizador, (2) o objeto, que é a pessoa sendo batizada, (3) o
elemento em, ou no qual a pessoa é batizada, e (4)
o propósito com o qual o batismo é realizado. Como exemplo, ele cita o
"batismo" dos israelitas no Mar Vermelho (cf. 1 Co 10.1-2). Deus foi
o batizador, os israelitas foram os batizandos, o elemento em que foram
batizados foi água, ou vapor que caia das nuvens, e o propósito é indicado pela
expressão "batizados em Moisés", isto é, para um
relacionamento com Moisés como o líder apontado por Deus. O batismo de João,
igualmente, tem quatro partes: João (o sujeito) batizou as multidões que vinham
de Jerusalém e regiões circunvizinhas (os batizandos) nas (e)n) águas do Rio Jordão (elemento) para (ei)j) arrependimento e, portanto, remissão
de pecados, cf. Mt 3.5,11. O batismo cristão é similar, continua Stott. O
pastor (sujeito) batiza o candidato (objeto) na, ou com, água (elemento), e o
batismo é ei)j, "para" o nome da Trindade,
ou mais especificamente, para o nome de Cristo (Mt 28.19; At
8.16). O batismo do Espírito não é exceção a esta regra, conclui Stott. Se
colocarmos as sete referências juntas, verificaremos que Jesus Cristo é o batizador
(sujeito), todos os crentes (1 Co 12.13) são os batizandos (objeto), o Espírito
Santo é o "elemento" com o qual (e)n ) somos batizados, e
o propósito (ei)j) é a incorporação do crente no corpo
de Cristo.43
Stott reconhece que alguém poderia
objetar que estas quatro partes não aparecem claramente em todos as sete
passagens mencionadas. Por exemplo, o sujeito (o batizador) não aparece em 1 Co
12.13. Para Stott, isto não é problema: Jesus Cristo é o batizador implícito da
passagem, assim como também em At 1.5 e 11.16. Ele não é mencionado porque
nestas passagens o verbo "batizar" está na voz passiva, e a ênfase
recai sobre as pessoas sendo batizadas, enquanto que o sujeito da ação recua
para os bastidores.
Ele ainda argumenta que, se o Espírito
é quem batiza em 1 Co 12.13, então, onde está o elemento com o qual ele batiza?
Stott considera a falta de resposta a esta pergunta como sendo conclusiva de
que sua interpretação é a correta, já que a metáfora do batismo requer um
elemento. De outra forma, "batismo não é batismo".44 Ele conclui que
1 Co 12.13 refere-se a Cristo batizando com o Espírito Santo, e nos fazendo
beber do Espírito, e que "todos nós" temos participado desta bênção
(cf. Jo 7.37-39). Esta conclusão é reforçada pelo tempo dos dois verbos,
"batizar" e "beber", ambos no aoristo, e que se referem,
não a Pentecoste, mas à bênção pessoal recebida pelos cristãos em sua
conversão.45